terça-feira, 23 de março de 2010

Quine: Realismo implica Empirismo?

A epistemologia tradicional desde o tempos mais remotos, remete-se a uma busca por uma justificação do conhecimento, ou uma filosofia primeira, que sendo a priori, corresponde a verdades universais, ou juízos analíticos, que são as proposições tomadas como verdadeiras independentes dos acontecimentos do mundo. O positivismo lógico advogado principalmente pelo círculo de Viena, permanecia com esta busca. Para Schlick e Carnap as teorias científicas descrevem o mundo como ele é de fato, e portanto, fala da verdade imutável. O argumento principal é que mediante aos acertos em prever os fenômenos, as teorias científicas só podem estar falando do mundo externo como ele é.  Desta feita, afirmam a teoria verificacional de significado, onde qualquer proposição para ser verdadeira deve ser submeter a verificação científica, para desta feita ser considerada correta. A isto podemos chamar de realismo científico, pois os objetos científicos, e somente eles, são reais no mundo. 
Ao escrever Dois Dogmas do Empirismo, Quine demonstra que o realismo científico é sem sentido. Os dois dogmas não justificados seriam (1) a distinção entre verdade analíticas e verdades sintéticas, (2) o reducionismo em que para toda proposição lógica existe um dado experiencial equivalente (verificacionismo). Para o primeiro dogma, Quine, argumenta que não faz sentido falar de uma verdade independente dos fatos do mundo, uma verdade a priori, por quanto, o significado das coisas é dado por meio do uso linguístico, e assim, pragmático dos termos. Desta feita, não há uma definição a priori e muito menos uma verdade a parte da pragmática. Todas as verdade seriam sintéticas, mas não no sentido verificacionista, no qual a verdade é “julgada” pela ciência e torna-se absoluta. Para refutar isto, Quine, observa que não há verdades destituídas de um contexto semântico-pragmático, e mesmo assim, revisável mediante a mudança de contexto pragmático ou semântico. A ciência ganha um novo significado, pois ela não mais tem o “poder” de dizer verdades absolutas, mas de afirmar verdade enquanto o método usado for plausível, as garantias não inferem uma imutabilidade, mas dentro do próprio significado de ciência a verdade é revisável sempre. Ele vai mais adiante, ao afirmar que tudo pode ser revisável, mesmo a matemática e a lógica, e por fim a própria epistemologia. Desta feita, a epistemologia deixa de ser a busca pela verdade imutável, e torna-se um capítulo da psicologia, pois ela seria tão cientifica quanto, sendo assim mutável.
No artigo Epistemologia Naturalizada, Quine propõe, desta vez de modo mais positivo, aquilo que deseja defender a respeito da epistemologia.  Refutados os dogmas do empirismo, este agora seria uma ciência sem dogmas. Definindo o conceito de epistemologia Quine diz:
A epistemologia, ou algo que a ela se assemelhe, encontra seu lugar simplesmente como um capítulo da psicologia e, portanto, da ciência natural. Ela estuda um fenômeno natural, a saber, um sujeito humano físico. Concede-se que esse sujeito humano recebe uma certa entrada experimentalmente controlada – certos padrões de irradiação em variadas freqüências, por exemplo – e no devido tempo o sujeito fornece como saída uma descrição do mundo externo tridimensional e sua história.[1]
Destarte, a epistemologia é o estudo da observação das entradas experienciais (input) e das muitas respostas de saída ou expressões linguísticas das experiências (output). E por ser um estudo observacional é natural e empírico, portanto, científico. A psicologia behaviorista recebe um grande aliado, pois, epistemologia seria o estudo do estímulo e resposta mediante uma determinada experiência sensorial.
Quanto ao realismo e anti-realismo, Quine parece se opor ao realismo radical dos proponentes do positivismo lógico. O realismo científico advoga que devemos “dado o fantástico sucesso preditivo, crer que essas entidades inobserváveis supostas ou postuladas (a) realmente existem e (b) são aproximadamente tais como as descrevem as teorias científicas maduras[2].” O problema para Quine é que se cabe a ciência determinar o que é real do que não é, a ela se dá uma função transcendental de busca pela verdade, e a isto ele crítica nos Dois Dogmas. Portanto, o realismo científico não é uma opção válida para Quine, seria assim, o caso do anti-realismo? Ao que parece, Quine não faz uma opção pelo anti-realismo, antes, redefine alguns termos para defender um realismo natural. Este realismo não busca uma verdade transcendente e imutável, mas mediante a variedade de modelos científicos, os objetos observáveis ou não são reais. Para Quine, tanto faz um objeto científico ser ou não observável para ser real, pois, o modelo científico usa ambos objetos para explicar os fenômenos. Enquanto o anti-realismo defende que devemos ser agnósticos em relação aos objetos não observáveis, o realismo natural de Quine, advoga que o homem não tem evidência para a existência de corpos além do fato de o modelo científico o ajudar a organizar a experiência, devendo-se, portanto, em vez de desacreditar a evidência para a existência de corpos, concluir: tal, então, no fundo, é o que evidência é, tanto para corpos ordinários como para moléculas. Destarte, o empirismo implica um realismo natural, mesmo sem haver verdades absolutas, os objetos são dados como reais enquanto os modelos científicos parecem adequados para explicar a experiência.
Diante do exposto, pode-se responder que para Quine há um realismo e este é empírico e natural. Onde o modelo científico que se adéqua melhor para explicar determinada experiência dirá quais objetos existem, sem, no entanto, significar um realismo restrito que não possa haver mudanças, mas um realismo maleável, em que possa se revisar os modelos, e a partir deles, informas a realidade num determinado contexto.



[1] QUINE, W. V. O. Epistemologia naturalizada. In. Col. ‘Os Pensadores’. São Paulo: Abril Cultural, 1975. pp. 170.
[2] NASCIMENTO, Marcos Bulcão. É possível um realismo pragmatista? Quine e o naturalismo. In: COGNITIO-ESTUDOS: Revista Eletrônica de Filosofia. Volume 5, Número 2, Julho-Dezembro. São Paulo: 2008, pp. 105. 

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