terça-feira, 23 de março de 2010

Deus é Autor do pecado?

Assista este vídeo, depois eu volto:





Voltando: Bom, vou tentar colocar de uma maneira mais clara, porém, devo alertar que este assunto é de grande incomodo ao homem, por ser difícil encaixar todos os por menores. Peço que leiam com paciência e reflexão. Vou começar pela confissão de fé de Westminster, porque acredito ser ela uma ótima exposição das doutrinas Bíblicas:
I. Desde toda a eternidade, Deus, pelo muito sábio e santo conselho da sua própria vontade, ordenou livre e inalteravelmente tudo quanto acontece, porém de modo que nem Deus é o autor do pecado, nem violentada é a vontade da criatura, nem é tirada a liberdade ou contingência das causas secundárias, antes estabelecidas.
Isa. 45:6-7; Rom. 11:33; Heb. 6:17; Sal.5:4; Tiago 1:13-17; I João 1:5; Mat. 17:2; João 19:11; At.2:23; At. 4:27-28 e 27:23, 24, 34.
II. Ainda que Deus sabe tudo quanto pode ou há de acontecer em todas as circunstâncias imagináveis, ele não decreta coisa alguma por havê-la previsto como futura, ou como coisa que havia de acontecer em tais e tais condições.
At. 15:18; Prov.16:33; I Sam. 23:11-12; Mat. 11:21-23; Rom. 9:11-18.[1]
A confissão é taxativa ao afirmar que “Deus não é o autor do pecado”. Mas o que ela quer dizer com isto?! Estaria afirmando que o pecado não faria parte dos decretos de Deus? Quando algumas palavras antes, disse que Deus preordenou “tudo quanto acontece”? Os teólogos de Westminster não eram tão ruins assim para não perceber que havia uma contradição caso quisesse dizer isto. Dr. Gordon Clark ao comentar sobre este ponto da confissão diz que: “sumarizando as Escrituras, a Confissão diz aqui que Deus não é o autor do pecado; isto é, Deus faz nada pecaminoso.”[2] Portanto, a Confissão não contraria o decreto de Deus a respeito do pecado. Para compreender melhor vamos analisar alguns textos citados pela confissão:
Isaías 45:6-7 Para que se saiba, até ao nascente do sol e até ao poente, que além de mim não há outro; eu sou o SENHOR, e não há outro. Eu formo a luz e crio as trevas; faço a paz e crio o mal; eu, o SENHOR, faço todas estas coisas.
Romanos 11:33-36  Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos! Quem, pois, conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu conselheiro? Ou quem primeiro deu a ele para que lhe venha a ser restituído?  Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!
Hebreus 6:17-18  Por isso, Deus, quando quis mostrar mais firmemente aos herdeiros da promessa a imutabilidade do seu propósito, se interpôs com juramento, para que, mediante duas coisas imutáveis, nas quais é impossível que Deus minta, forte alento tenhamos nós que já corremos para o refúgio, a fim de lançar mão da esperança proposta;
Salmo 5:4 Pois tu não és Deus que se agrade com a iniqüidade, e contigo não subsiste o mal.
Vou acrescentar mais alguns textos para comparação:
Isaías 46:10 Que desde o princípio anuncio o que há de acontecer e desde a antiguidade, as coisas que ainda não sucederam; que digo: o meu conselho permanecerá de pé, farei toda a minha vontade;
Jó 42:2 Bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode ser frustrado.
Daniel 4:35 Todos os moradores da terra são por ele reputados em nada; e, segundo a sua vontade, ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes?
Mateus 10:29 Não se vendem dois pardais por um asse? E nenhum deles cairá em terra sem o consentimento de vosso Pai.
Provérbios 16:4 O SENHOR fez todas as coisas para determinados fins e até o perverso, para o dia da calamidade.
Acredito que com estes textos qualquer um ficaria convencido de que Deus é soberano sobre tudo o que acontece. E que quando criou o mundo tinha planos específicos para tudo o que iria acontecer, e assim, todas as coisas foram planejadas por Ele, e como Ele faz todas as coisas segundo a sua santa Vontade, concluímos que tudo o que acontece, assim acontece porque Ele quer. A partir daí segue-se que até mesmo o mal e o pecado fazem parte dos decretos e da sua santa vontade. Como diria minha mãe: é ai que a porca torce o rabo. Como entender que o mesmo Deus que diz:
Salmo 5:5 Os arrogantes não permanecerão à tua vista; aborreces a todos os que praticam a iniqüidade.
E mais uma serie de textos que mostram que Deus odeia o pecado. A ponto de ter destruído o mundo por conta do pecado:
            Gênesis 6:5-6 Viu o SENHOR que a maldade do homem se havia multiplicado na terra e que era continuamente mau todo desígnio do seu coração; então, se arrependeu o SENHOR de ter feito o homem na terra, e isso lhe pesou no coração.
É o mesmo Deus sobre quem é dito:
Êxodo 4:11 Respondeu-lhe o SENHOR: Quem fez a boca do homem? Ou quem faz o mudo, ou o surdo, ou o que vê, ou o cego? Não sou eu, o SENHOR?
Lamentações 3:37-38 Quem é aquele que diz, e assim acontece, quando o Senhor o não mande? Acaso, não procede do Altíssimo tanto o mal como o bem?
Amós 3:6 Tocar-se-á a trombeta na cidade, sem que o povo se estremeça? Sucederá algum mal à cidade, sem que o SENHOR o tenha feito?
Para tentar colocar as coisas de forma mais didática, os teólogos falam de dois tipos de vontade de Deus: A vontade revelada e a vontade secreta. Desta forma a vontade revelada é aquela que Deus mostrou através da Escritura com sua lei, e através das muitas histórias contadas. A vontade secreta é aquela que Ele guardou para si e da qual só conseguimos ver os resultados, mas não os motivos. Sei que isto parece um pouco estranho, mas deixe-me dar alguns exemplos:
Exemplos Bíblicos das Duas Fases da Vontade de Deus
A. A vontade revelada de Deus era que Abraão imolasse Isaque, mas a vontade secreta de Deus era poupar Isaque (Gênesis 22:1-14).
B. A vontade revelada de Deus para José era que ele fosse bem-tratado por seus irmãos, mas a vontade secreta de Deus para José era que ele fosse mal-tratado e vendido como escravo pelos seus irmãos (Gênesis 45:1-15).
C. A vontade revelada de Deus para Israel era que ele vivesse debaixo do Seu governo numa teocracia, mas a vontade secreta de Deus para Israel era que ele vivesse sob reis numa monarquia (Gênesis 17:6; 35:11; I Samuel 8:1-22).
D. A vontade revelada de Deus era que Faraó deixasse os filhos de Israel partir, mas a vontade secreta de Deus era que Faraó recusasse deixá-los partir (Êxodo 4:21-23).
E. A vontade revelada de Deus era que os filhos de Israel ouvissem e obedecessem os profetas de Deus, mas a vontade secreta de Deus era que eles não ouvissem nem obedecessem os Seus profetas (Isaías 6:9-11; Ezequiel. 3:4-11).
F. A vontade revelada de Deus era que os filhos de Israel aceitassem o Senhor Jesus Cristo como seu Messias, mas a vontade secreta de Deus era que eles O rejeitassem e crucificassem (Mateus 23:34-37; Atos 2:22-24; 4:26-28).
G. A vontade revelada de Deus era que Judas Iscariotes fosse um amigo fiel do Senhor Jesus Cristo, mas a vontade secreta de Deus era que Judas O traísse até a morte (Salmos 41:9; Mateus 26:20-25; Lucas 22:21-22; João 13:10-11,18; 17:12).
H. A vontade revelada de Deus era que Pôncio Pilatos libertasse o Senhor Jesus da custódia, mas a vontade secreta de Deus era que Pilatos entregasse Cristo para ser crucificado (João 19:8-16).[3]
I. A vontade revelada de Deus é que o cristão seja santo assim como Ele é, mas a vontade secreta de Deus é que o cristão continue pecando até o dia da glorificação.
Tudo isto parece estranho e absurdo. Os teólogos mais experimentados também sofrem com estas coisas. Calvino ao tratar sobre o assunto reconhece:
Contudo, nem por isso Deus se põe em conflito consigo mesmo, nem se muda sua vontade, nem o que quer finge não querer; todavia, embora nele sua vontade seja uma só e indivisa, a nós parece múltipla, já que, em razão da obtusidade de nossa mente, não aprendemos como, de maneira diversa, o mesmo não queira e queira que aconteça.[4]
John Newton entendendo bem que o limite não está na Escritura, mas na nossa mente caída afirmava: "Atribuirei todas as aparentes incoerências da Bíblia à minha própria ignorância". Ainda falando sobre as dois tipos de vontade de Deus, podemos resumir da seguinte maneira:
I. A Vontade Revelada de Deus
A. Esta é a vontade preceptiva de Deus como contida nas Santas Escrituras.
B. Ela é desvelada por Deus e endereçada ao homem.
C. Ele deve ser cumprida pelo homem.
D. Ela inclui somente o bem e não o mal, somente a justiça e não o pecado.
E. Ela é cumprida somente de uma maneira imperfeita e é freqüentemente desobedecida.







II. A Vontade Secreta de Deus

A. Esta é a vontade de propósito de Deus como contida no decreto eterno ou plano de Deus.
B. Ela não é nem revelada nem endereçada ao homem.
C. Ela é cumprida diretamente e causativamente por Deus ou indireta e permissivamente pelas Suas criaturas.
D. Ela inclui tanto o bem como o mal, tanto a justiça como o pecado.
E. Ela é sempre cumprida perfeitamente e nunca desobedecida.[5]
 Uma questão que ainda pode surgir é a respeito da responsabilidade do homem mediante os decretos de Deus. Como haverá responsabilidade se não há liberdade? A Confissão novamente nos traz luz ao tema:
            (...) nem violentada é a vontade da criatura, nem é tirada a liberdade ou contingência das causas secundárias, antes estabelecidas.[6]
Gordon Clark comenta:
            As referências das Escrituras mostram claramente que Deus controla as vontades dos homens. Durante a rebelião de Absalão contra Davi, Husai deu conselhos medíocres, mas Aitofel deu bons conselhos para Absalão. Absalão, contudo, “e todos os homens de Israel: Melhor é o conselho de Husai, o arquita, do que o de Aitofel. Pois ordenara o SENHOR que fosse dissipado o bom conselho de Aitofel, para que o mal sobreviesse contra Absalão.”(II Sm 17:14). É claro então que Deus, nos seu propósito para que sobreviesse o mal contra Absalão, tanto controlou as vontades de Absalão e de seus homens que eles escolheram o conselho medíocre de Husai em vez do conselho bom de Aitofel.  Foi controlando as vontades destes homens maus, que Deus estabeleceu o trono de Davi, de quem o Messias descende.
            Isto não significa que violentada foi a vontade das criaturas. Não é como se os homens quisessem aceitar o plano de Aitofel e foram forçados a seguir Husai contra seus desejos. Seus processos psicológicos emitiram um desejo para seguir o plano de Husai. Mas deve ser notado que Deus estabeleceu os processos psicológicos tão verdadeiramente como ele estabeleceu os processos físicos.[7]
A liberdade do homem não é violentada neste sentido, porém não está livre de Deus que estabeleceu todas as coisas. O homem é culpado dos seus atos, não por ser livre de Deus, mas porque as suas ações são julgadas por Deus. E porque conhece a lei de Deus e não a pratica. Assim, a responsabilidade se dá por conhecimento e não por liberdade. Mesmo que não conhecendo completamente a lei de Deus, a ponto de saber todos os pormenores da sua revelação, todos os homens tem um conhecimento sobre Deus suficiente para ser indesculpável perante Deus, é isto que nos informa o Apostolo Paulo ao dizer:
            Romanos 1:20-21 Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas. Tais homens são, por isso, indesculpáveis; porquanto, tendo conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças; antes, se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração insensato.
Portanto, não é liberdade que dá culpabilidade ao homem, mas o seu conhecimento sobre Deus. E conhecendo a Deus ainda assim peca. É por isto que o pecado do Cristão ainda é mais reprovável, por quanto tem um conhecimento íntimo com Deus, mas ainda assim, nega este conhecimento, nega o amor de Deus, se esquece de tudo o que Ele fez, e peca. Toda vez que um cristão peca ele está negando a cruz de Cristo, ele está cuspindo no amor de Deus, ele está tentando ficar independente de Deus, somente a Graça e Misericórdia de Deus para perdoar e o amor permanecer em nós.


[1] Confissão de Fé de Westminster. Cap. III. 1-2.
[2] CLARK, Gordon H. What Do Presbyterians Believe?. Philadelphia: Presbyterian and Reformed Publishing CO, 1977. Pág. 37. Tradução minha: Summarizing the Scriptures, the Confession says here that God is not the author of sin; that is, God does nothing sinful.
[3] KOHLER, John A., III. As Duas Fases da Vontade de Deus. Trad. Felipe Sabino. http://www.monergismo.com/textos/atributos_deus/duas_fases_vontade_deus.htm
[4] CALVINO, João. Institutas ou Tratado da Religião Cristã. Vol. 1. Edição Clássica. Trad. Dr. Waldyr Carvalho Luz. São Paulo: Cultura Cristã, 1985. Cap. XVIII. 3.
[5] KOHLER, John A., III. As Duas Fases da Vontade de Deus. Trad. Felipe Sabino. http://www.monergismo.com/textos/atributos_deus/duas_fases_vontade_deus.htm
[6] Confissão de Fé de Westminster. Cap. III. I.
[7] CLARK, Gordon H. What Do Presbyterians Believe?. Philadelphia: Presbyterian and Reformed Publishing CO, 1977. Pág. 37-38. Tradução minha: The scripture references show clearly that God controls the wills of men. During Absalom’s rebellion against David, Hushai gave poor advice but Ahithophel gave good advice to Absalom. Absalom, however, “and all the men of Israel said, the counsel of Hushai the Archite is better than the counsel of Ahithophel. For the Lord had appointed [ordained] to defeat the good counsel of Ahithophel, to the intent that the Lord might bring evil upon Absalom” (II Sam. 17:14). It is clear then that God, in his purpose to bring evil upon Absalom, so controlled the wills of Absalom and his men that they chose Hushai’s poor advice instead of Ahithopel’s (sic) good advice. By controlling the wills of these evil men, God established the throne of David, from whom the Messiah descended.
This does not mean that violence was done to the will of the creatures. It was not as if the men wanted to adopt Ahithophel’s plan and were forced to follow Hushai against their desires. Their psychological processes issued in a desire to follow Hushai’s plan. But it must be noted that God established psychological processes just as truly as he established physical processes. 

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