domingo, 19 de dezembro de 2010

Revelação como solução do problema do ceticismo para uma sociedade pós-moderna: Ensaio introdutório.


Resumo:

O artigo visa tratar sobre as definições de verdade e conhecimento na pós-modernidade e a Revelação de Deus. Após uma analise geral dos teóricos da pós-modernidade, conclui que a desconfiança sobre a verdade nos tempos contemporâneos leva a um profundo ceticismo e um total abandono da possibilidade de conhecer verdadeiramente. Para o autor, a solução do problema do ceticismo está na Revelação de Deus ao homem.

Palavras Chave:

Ceticismo, Revelação, Epistemologia, Pós-modernidade.

Introdução:

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Desde o Éden[1], o homem busca fundamentação para o seu conhecimento. Nos tempos helenísticos as questões epistemológicas estiveram em grande debate, filósofos como Platão e Aristóteles escreveram uma série de obras sobre possibilidade do conhecimento. Já nos tempos mais modernos essa discussão toma uma guinada ainda mais específica com filósofos como Descartes, Hume, Locke, Reid, Kant e muitos outros debateram em seus escritos sobre a acessibilidade da verdade e do conhecimento. No pós-modernismo todas essas questões são levantadas para serem colocadas em um caixão e enterradas no cemitério do esquecimento. Para os pós-modernos, discussões como verdade ou acessibilidade do conhecimento são totalmente carentes de significado, pois não há absolutos e muito menos possibilidade de um conhecimento único e verdadeiro. Isso invadiu a teologia, os teólogos críticos distanciaram a teologia da verdade, assim como o Jesus divino do Jesus histórico. Apologétas como Cornelius Van Til e Gordon Clark trazem a solução epistêmica por meio da Revelação de Deus, e essa como acessível ao homem. Esse artigo não tenciona ser exaustivo, mas introdutório com os conceitos a serem trabalhados, entendendo sua complexidade e a dificuldade de sumarizar de maneira correta todos os pormenores. Para tanto se valerá de conceitos mais gerais de cada autor sem uma discussão mais aprofundada, deixando isso para um projeto posterior de monografia.

As Raízes da Epistemologia Moderna.

Alguns autores são referência para qualquer trabalho no campo epistemológico, trabalharemos alguns deles e alguns de seus conceitos primordiais.

Platão

A discussão sobre conhecimento remonta autores anteriores a Platão, tais como Parmênides e Heráclito, no entanto, entendemos que na síntese platônica um novo modo de ver o conhecimento se estabelece, e assim, é de extrema importância tratar sobre seus conceitos. Nos tempos de Platão a discussão sobre o ceticismo e o conhecimento eram bem populares, os sofistas andavam livremente a ensinas suas teorias do relativismo, e Platão não se esgueirou dessas questões. No livro Teeteto, Platão nos dá uma definição de conhecimento que perdurou até tempos bem próximos. Segundo Sócrates, conhecimento é Crença verdadeira justificada, portanto, todo conhecimento se dá por meio de uma crença ou opinião, que deve ser verdadeira e não falsa, e que há um boa explicação racional para se aceitá-la, desta maneira, teríamos que o conhecimento exige explicação, exige justificativa. No entanto, desde a publicação do artigo Is Justified True Belief Knowledge?[2] de Edmund L. Gettier, a definição platônica tem sido derrubada. Gettier elenca dois contra-exemplos sobre o conceito de Platão, e a partir do seu artigo vários autores têm lutado para tentar redefinir e encontrar um ponto de apoio para o conhecimento. Mudando um pouco do foco para como obtemos conhecimento, Platão anuncia que nós todos já nascemos com todas as ideias em nossa mente, o que acontece é que nossa alma antes de encarnar toma um gole do rio do esquecimento, e precisa das experiências para relembrá-las, daí a chamada teoria da reminiscência. O problema de toda essa teoria é que as experiências agem de maneira irregular, e se dependêssemos dela para garantir nossa memória das ideias teríamos sérios problemas em garantir que haveria uniformidade nessas ideias. E isso prova ser fato quando vemos que as muitas experiências, por mais que sejam semelhantes, não garantem conhecimento unívoco, mas muitas vezes demonstram o quanto há de subjetividade nas ideias dos homens, e o quanto é difícil estabelecer universais.

Aristóteles

Se a teoria da reminiscência de Platão apresentava problemas por conta do seu subjetivismo nas experiências, em Aristóteles, isso será ainda mais acentuado. O empirismo aristotélico é basilar para a construção do conhecimento. Segundo Aristóteles, nós não temos ideias pré-formadas nas nossas mentes, porém, nascemos com o aparelho mental pronto para aprender, e assim, todo o conhecimento é apreendido depois do nascimento. O problema dessa teoria é semelhante ao de Platão, porém, ainda mais acentuado, pois como haveremos de aprender alguma coisa se nada sabemos? O problema já era apresentado por Platão, como haveremos de buscar uma coisa que não conhecemos, e como saberemos que a encontramos se não sabemos o que ela é. Desta forma, lançar sobre as sensações toda a garantia para o conhecimento não é satisfatório, e leva ao ceticismo[3].

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Dando um salto histórico bem grande, chegamos em Descartes, que foi muito influenciado por Platão, e que aceitou em certa proporção suas teorias epistemológicas. Descartes em suas meditações traz questões essências para o estudo do ceticismo, ele elabora uma série de argumentos contra as certezas epistêmicas, e boa parte dos eruditos têm dito que ele não responde de maneira satisfatória a esses argumentos. Para fins explanatórios, devemos entender que em Descartes o problema do ceticismo se resolve com o eu ou ego, a partir do momento que eu não posso duvidar da existência da minha própria consciência ou do meu eu, pois ao fazer isso já estaria usando o meu próprio eu, toda a série de ideias se infere como uma ação em cadeia. Para Descartes ainda, é o próprio Deus quem garante que o nosso conhecimento não será levado ao engano por algum espírito mal. O problema se estabelece na sustentação epistêmica ser o próprio eu, embora a argumentação ter seu valor, não há como jogarmos toda a nossa confiança no conhecimento as nossas faculdades mentais. Isso faz referência a uma tradição que se inicia com Tomás de Aquino, e acredita que a mente humana esteve resguardada dos efeitos do pecado. Porém, a mente humana é enganosa em si, por vezes nossos pensamentos nos levam a crer em determinadas coisas que não condizem com a realidade, na verdade, se o Cogito Ergo Sum e o cogitationis divinae dão certeza do nosso conhecimento verdadeiro, o que acontece quando erramos? Seria um erro no cogito ou em Deus? Isso nos leva a crer, que apesar de uma boa argumentação, Descartes, não consegue explicar o erro dos nossos pensamentos, mediante tamanha certeza atribuída as nossas faculdades mentais.

Muito teríamos o que tratar sobre Hume, mas por questão de propósito nos deteremos a crítica dele a noção de causa e efeito e suas conclusões sobre o empirismo que o levaram a um ceticismo. Hume argumenta que aquilo que se tem dito sobre a noção de causa e efeito não tem justificativa, pois para ele, não há como um determinado evento ser ligado a uma causa, logicamente não faz sentido. Em outras palavras, para Hume aquilo que chamamos de causa e efeito não passa de um habito da nossa mente, ou da nossa ideia, mas não condiz com a realidade da indução, portanto, a conclusão que chega é que a indução tem problemas sérios na sua estrutura. Mas sabe-se que a indução é o método lógico que o empirismo trabalha, não há como haver empirismo sem indução, o que então Hume estava defendendo é que estamos fadados ao acaso e ao ceticismo. Agora será um bom momento para tentarmos definir o que seria ceticismo, e daí iniciarmos uma discussão para uma solução. O ceticismo do qual estamos falando é definido como a negação de possibilidade de acesso a alguma certeza sobre o mundo externo. Não como afirmarmos que o mundo que vemos, ouvimos, ou sentimos é o mundo no qual nosso discurso trata, em outras palavras, não como dizer que se eu sinto um vento frio, que esse vento frio é o vento do mundo que eu estou, pois não há como provar causa e efeito.

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Nietzsche

Em Nietzsche a discussão moderna sobre conhecimento é totalmente abandonada, para ele não há necessidade de se pensar sobre essas coisas, pois elas só trarão enfado. Na realidade, tudo é relativo, e qualquer tentativa de absolutizar é incoerente e carece de significado. Ele faz ataques severos a Platão e toda a tradição que segue depois dele, e anuncia a morte de Deus. Sua filosofia é extremamente brutal e carece muitas vezes de argumentações lógicas, isso se dá porque ele estaria se contradizendo em dizer que tais coisas não são necessárias e usando-as para argumentar em favor. A conclusão é que questões como epistemologia, ética, religião entre outras, só há incertezas e pluralidade, portanto, não há porque se preocupar com essas questões, mas apenas tomar pra si sua própria regra. Nietzsche é o fundador do Pós-Modernismo, e sua vida retrata bem onde leva a irracionalidade pós-moderna, terminando sua vida num hospício.

O conceito de Revelação na Teologia Reformada

Muito ainda poderia ser dito sobre as origens do pensamento pós-moderno, mas para os nossos fins, o ceticismo de Hume somado a discussão de conhecimento que traçamos é suficiente para lançarmos luz sobre o que acreditamos ser um problema insolúvel se não for observado mediante a Revelação. Portanto, avaliemos o conceito de revelação em Gordon Clark e depois faremos uma defesa desse conceito como solução do problema do ceticismo.

Gordon Haddon Clark

Para Gordon Clark o conceito de Revelação é essencial para a teologia e filosofia. Ele acredita que não existe sistema de pensamento que tenha em sua base uma série de axiomas ou pressupostos. Esses axiomas não necessitam de justificação, pois são os pontos de partida para a compreensão do sistema. Alvin Plantinga afirma que não há necessidade de justificativa para crer que existem pessoas racionais além de mim, ou que o mundo não começou a existir a cinco minutos atrás. Esses axiomas apesar de não necessitarem de justificação, podem ser questionados, e verificados mediante as conclusões do sistema como um todo, e percebendo sua coerência. Nesse sentido a Revelação de Deus é o axioma da teologia. Mesmo que exista uma série de argumentos em favor da Revelação e autoridade de Deus, ainda assim, não haveria necessidade dessas justificativas, pois o cristão tem todo o direito de tomar como pressuposto a Revelação de Deus.
Por Revelação, Gordon Clark, entende os sessenta e seis livros da Bíblia, e portanto, não se refere a Revelação geral, mas exclusivamente a especial. De sorte que para Clark a verdade é proposicional, e portanto, todas as conclusões retiradas da Escritura proposicionalmente são verdadeiras e somente elas podem ser dadas como realmente verdadeiras. Clark argumenta que as certezas do homem são dependentes das certezas divinas, e assim, o homem só pode dizer que conhece algo se esse algo foi Revelado por Deus.

A Revelação e o pós-modernismo

O pós-modernismo põe em cheque a verdade de Deus, e deseja desautorizar qualquer tentativa de absolutizar os pensamentos, tenciona um relativismo que leva ao total abandono da teologia, e portanto, leva ao caos epistemológico, deixando o homem a sua própria sorte.

Revelação como certeza epistêmica

David Hume coloca em cheque a certeza de obter algum conhecimento, o homem não tem capacidade por si só de dar certezas sobre suas sensações e nem mesmo suas ideias. Toda ideia exige um universal[4], portanto, para o homem afirmar determinada crença é preciso que ele tenha conhecimento sobre todas as coisas referentes aquela crença para que sua fundamentação epistêmica seja aceita. No entanto, o homem não tem essa habilidade, qualquer afirmação que faz, a faz por meio de suas observações particulares e nunca com certezas universais. É necessário que haja algo externo ao homem que lhe dê certeza do que sabe, e isso acertadamente Descartes atribuiu a Deus. No entanto, ele dependeu as suas faculdades mentais a certeza desse conhecimento de Deus, mas isso como mostramos, não é satisfatório, mas, se afirmarmos que o próprio Deus onisciente afirmou e garante o conhecimento, nossa dúvida é totalmente dirimida. Assim, a Revelação garante a certeza do conhecimento, é ela quem dá ao homem a certeza de que o que ele conhece por meio da Escritura é verdadeiro e certo.

Revelação como garantia de acesso a realidade

No entanto, alguém pode objetar que para ter acesso a Revelação é preciso o uso dos sentidos, por não termos confiança nesses, toda a teoria estaria fracassada. No entanto, a Revelação também assegura que o acesso que temos da Realidade e da Escritura é verdadeiro, e isso se dá por meio do Espírito Santo, que reorganiza a mente que foi afetada pelos efeitos noéticos do pecado, para que compreenda as coisas de Deus.
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Revelação como solução para o ceticismo

Por fim, levamos o nosso conceito de Revelação às últimas conseqüências e afirmamos que ele resolve o problema do ceticismo, por dá ao homem o conhecimento, a certeza e a garantia da verdade, mediante a Escritura e o Espírito Santo. Duas questões podem ser levantadas, a primeira é a respeito do conhecimento não inferido das Escrituras, e a segunda é sobre o conhecimento do homem natural, o homem sem Deus. Sobre a primeira questão afirmamos que a verdade é derivativa e, portanto, o conhecimento natural é possível, mesmo que não haja expressamente na Escritura o assunto, para tal, é sempre necessário fazer uma auto-reflexão sobre o tema a luz da Bíblia levando e consideração os princípios que possam ser traçados. A segunda questão deve ser respondida com o uso da própria Revelação. Em Mateus 5.44-45 encontramos: Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; para que vos torneis filhos do vosso Pai celeste, porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos. O conceito de graça comum que se extrai daí, é que o homem por pior que seja, por mais injusto que possa ser, ainda é reflexo da imagem e semelhança de Deus, e ainda é herdeiro de algumas promessas de Deus, por isso, mesmo sem conhecer as Escrituras, esse homem natural por meio da graça comum que se manifesta no mundo tem momentos de verdade, e acertadamente fala como se estivesse lendo a própria Escritura. Desta maneira, não estamos dizendo que a verdade é exclusiva do cristão, mas que ele é o único capaz de saber porque conhece a verdade e porque todos nós estamos certos sobre determinado assunto.

Conclusão

A Revelação é um conceito extraordinário, e muito ainda poderia ser falado sobre o tema, mas como proposta de um artigo não muito longo e de forma ainda introdutória concluímos que todas as coisas convergem em Deus, e não poderia deixar de ser que o próprio conhecimento também converge nEle.
Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos! Quem, pois, conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu conselheiro? Ou quem primeiro deu a ele para que lhe venha a ser restituído? Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!
Romanos 11.33-36


Referências Bibliográficas:

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BARTH, K., Bromiley, G. W., & Torrance, T. F. Church dogmatics, Volume I: The doctrine of the Word of God, Part 2. Translation of Die kirchliche Dogmatik.; Each pt. also has special t.p.; Includes indexes. (1). Edinburgh: T. & T. Clark, 2004.
BARTH, K., Bromiley, G. W., & Torrance, T. F. Church dogmatics, Volume II The doctrine of God, Part 1. Translation of Die kirchliche Dogmatik.; Each pt. also has special t.p.; Includes indexes. (3). Edinburgh: T. & T. Clark, 2004.
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[1] No capítulo 3 de Gênesis a serpente traz dúvidas a respeito da verdade de Deus, e essas dúvidas levam ao desejo do conhecimento a parte de Deus, o conhecimento natural. Isso resultou na queda e na total perda de fundamentos epistêmicos válidos para o homem.
[2] Usaremos a versão digital do artigo encontrada em http://www.ditext.com/gettier/gettier.html
[3] Trabalharemos melhor isso quando tratarmos sobre David Hume.
[4] Quando pensamos sobre algum tema por mais simples que seja para termos certeza do que estamos falando é necessário que excluamos todo os outros temas que não correspondem ao que estamos falando, obviamente não é preciso que estejamos conscientes disso, teríamos que conhecer todos os temas possíveis no mundo, porém, é necessário que o tema tratado seja o mesmo tema em qualquer outro contexto ou lugar. Para deixar mais claro, um exemplo: Se penso sobre carros é necessário que eu exclua qualquer pensamento sobre qualquer outro automóvel ou qualquer outra coisa que não seja carro para que haja compreensão, portanto, é preciso que o conceito de carro em mim seja universal e que carro em qualquer lugar signifique a mesma coisa para mim.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Aconselhamento cristão versus psicologia?

Já passa do limite. Do jeito que a coisa vai, muitos psicólogos e conselheiros precisarão de ajuda para resolver problemas de ira e de maledicência. Digo isso entre jocoso e sério. A parte séria, pelo menos, merece uma resposta satisfatória. Mas como satisfazer ambos os lados? A única maneira que vejo, será por meio de romper a barreira e permitir uma boa conversa que provavelmente não convencerá quem não quiser entender, mas que esclarecerá qual seja o limite.

Primeiro, consideremos a relação entre a Bíblia e a psicologia. Explicando aos meus alunos, costumo perguntar: Entre a Bíblia e um livro de psicologia, qual você escolheria? A resposta dos cristãos, na maioria das vezes, é: A Bíblia, lógico! Por mais piedosas que pareçam, qualquer das escolhas é inadequada, Quem diz preferir a psicologia, terá exaltado o livro à altura da Bíblia; quem preferir a Bíblia terá rebaixado a Palavra de Deus à altura da psicologia. Isso é por que os dois são elementos de diferentes categorias. A psicologia é o estudo observacional do homem e a Bíblia é a revelação do criador sobre o conhecimento dele mesmo e da criatura, em uma relação essencial. A Bíblia foi dada ao homem para, entre outros usos decorrentes, ser o critério para interpretação da vontade de Deus, do homem e do mundo – incluindo o livro de psicologia. Não é fato que existem diversos tipos de aconselhamento (vocacional, profissional, legal, médico etc.)? Não existe a expressão aconselhamento psicológico? Poderíamos dizer aconselhamento aconselhar ou psicologia psicológica? Isso mostra que são termos diferentes.

Segundo, consideremos as psicologias. Estranho o uso do plural? Mas é isso mesmo. Cada teoria de psicologia expõe e defende interpretação e processo diferentes e, à vezes, antagônicos. Ora, há uma razão para isso. Deixe-me ilustrar. Imagine uma estrada plana e reta em que, onde a vista alcança, você enxerga algo como uma metade de uma esfera. Um besouro? Uma quenga (meia casca de coco)? Um capacete de soldado? Aproximando-se o objeto, você advinha mais. Uma tartaruga? Um tatu galinha? De repente, você percebe: é um fusca! Bem próximo, a satisfação do conhecimento enche os olhos. Mais perto, um metro, é uma raridade, sem amassado e com a cor original. Quase junto, dois centímetros, e tudo que você vê, agora, é o brilho de um pedaço bem pequeno de cor e luz, impossível de descobrir a natureza. Se existisse elefante polido e pintado, poderia ser um deles. Imagine, então, que diferentes observadores estejam olhando para estradas diferentes, tentando elaborar teorias sobre a natureza de objetos parecidos que se movem na direção deles? Certamente teríamos tantas teorias quantos fossem os observadores. Assim, temos tantas psicologias quantos são os estudiosos dos movimentos internos e externos dos homens. Isso é mau? Não por isso. O Dr. J. Adams, pioneiro da reabilitação do aconselhamento bíblico disse, em What About Nouthetic Counseling (Grand Rapids: Baker, 1976, p. 31), que ele mesmo tirou proveito de estudos psicológicos sobre o sono, e que não vê com maus olhos a psicologia observacional (método científico honestamente aplicado). Ele rejeita, sim, o uso impróprio de abstrações das psicologias como métodos de redenção do ser humano.

Essa perspectiva nos leva a uma terceira consideração: o que é que a Bíblia diz sobre aconselhamento e psicologia? Em 1Coríntios 2.9-16, o apóstolo Paulo disse que nem olhos viram nem ouvidos ouviram, nem o coração humano pode entender o que Deus tem preparado para aqueles que o amam. Isso, ele disse sobre o conhecimento do homem pelo próprio homem, tanto do incrédulo quanto do crente, dando como referência o conhecimento do Criador. Os crentes, ele continua, recebem revelação do espírito que a tudo perscruta – as profundezas de Deus e do homem. O método desse conhecimento é, portanto, espiritual e não natural. Aqui, Paulo estabelece a distinção feita acima: o espiritual não é paralelo ao natural nem somente uma questão de divisão interna do homem. Na verdade, espiritual e natural são conceitos que pertencem a categorias diferentes. Além disso, o espiritual é uma totalidade abrangente que compreende e deveria reger o natural. Hoje, tal como os observadores das estradas, vemos algo com forma de homem, mas não entendemos sua natureza nem sua condição. Se o Espírito não no-lo revelar, concluiremos qualquer coisa.

O fato é que o Espírito nos revela, na Palavra, que o homem foi criado bom, que presentemente se encontra decaído por causa do pecado, e que ele é passível de redenção. Ocorre que o homem decaído não entende nem discerne as coisas espirituais. Paulo disse que o homem espiritual escrutina todas as coisas e ele mesmo não é escrutinado por ninguém; o homem natural, por sua vez, não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente. A palavra grega traduzida como natural, nesse texto, é psuchikos (psíquico). Você vê outra interpretação senão que o aspecto interior do homem sem Deus, a psique, é o objeto de estudo das psicologias? Não estou esbordoando os psicólogos, mas apenas, dizendo que a consideração do homem somente sob o critério psicológico é considerá-lo fora de sua natureza, descartando sua condição e sem possibilidade de tratar seu verdadeiro problema. Tudo o que as psicologias podem fazer, é tentar adivinhar. Muitas vezes, o gênio que Deus concedeu a todos, crentes e incrédulos, não pode evitar o reconhecimento de coisas verdadeiras no homem e no mundo. Contudo, se falha em considerar a Deus e sua revelação quanto ao homem e ao mundo, ele fica como quem imagina diferentes coisas a diferentes distâncias.

Nem toda a sabedoria deste mundo poderá entender a totalidade do que Deus tem para os seus. Nenhuma psicologia poderá resgatar o homem de seu problema básico. Só Deus, em Cristo, é Redentor e Senhor da humanidade. É certo que, uma vez conhecido o fusca, alguém poderá lavá-lo, consertar suas partes e dirigi-lo, mas jamais poderá lhe conceder vida, mente, vontade e sentimentos. Lembre-se do que Paulo também disse: Ninguém, senão Deus, no Espírito, poderá assegurar a salvação; ninguém, senão Deus Trino poderá assegurar o anseio último da alma, isto é, um senso de dignidade, pertencimento, uma imaginação interpretativa acurada e criativa, nem uma operação interior e exterior que reflita a razão de sua própria criação. Fomos criados para habitar em Deus, para pensar seus pensamentos e para atuar em verdade e amor sobre as obras de Deus.

Você percebe, então, que não se trata de uma rivalidade entre aconselhamento bíblico e psicologia secular? Como Paulo disse em outro lugar, nossa luta não é contra o sangue e a carne (Efésios 6.12). Deverá haver uma psicologia bíblica – biblicamente teológica antropológica e soteriológica, – que não seja uma visão reduzida do homem de maneira secularmente antropológica, sociológica ou fisiológica. Antes ela deve vir de Deus, ser revelada na Bíblia e ser testemunhada ao coração pelo Espírito Santo. O aconselhamento cristão pretende ter essa noção, mas não está limitado ao homem interior ou exterior. Ele trabalha em todos os limites que Deus preparou e

...manifestou aos seus santos aos quais Deus quis dar a conhecer qual seja a riqueza da glória deste mistério entre os gentios, isto é, Cristo em vós, a esperança da glória; o qual nós anunciamos, advertindo a todo homem e ensinando a todo homem em toda a sabedoria, a fim de que apresentemos todo homem perfeito em Cristo... (Colossenses 1.26b-28).


Wadislau Martins Gomes