terça-feira, 23 de março de 2010

Sermão: Eudaimonía, a busca por uma felicidade sem Hedonismo

Lucas 6:17-23  E, descendo com eles, parou numa planura onde se encontravam muitos discípulos seus e grande multidão do povo, de toda a Judéia, de Jerusalém e do litoral de Tiro e de Sidom, que vieram para o ouvirem e serem curados de suas enfermidades; também os atormentados por espíritos imundos eram curados. E todos da multidão procuravam tocá-lo, porque dele saía poder; e curava todos. Então, olhando ele para os seus discípulos, disse-lhes: Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o reino de Deus. Bem-aventurados vós, os que agora tendes fome, porque sereis fartos. Bem-aventurados vós, os que agora chorais, porque haveis de rir. Bem-aventurados sois quando os homens vos odiarem e quando vos expulsarem da sua companhia, vos injuriarem e rejeitarem o vosso nome como indigno, por causa do Filho do Homem. Regozijai-vos naquele dia e exultai, porque grande é o vosso galardão no céu; pois dessa forma procederam seus pais com os profetas.
O homem por ser uma criatura egoísta, sempre buscou diante de vários fatores a sua felicidade. Fazendo uma pequena análise na história encontramos uma busca incansável por prazeres, riquezas, honras, onde o homem procura encontrar a sua felicidade. Desta feita a concepção hedonista, a busca pelo prazer, é que prevalece na reflexão e práxis da humanidade. Aristóteles bem observou isto, e na sua Ética a Nicómaco faz uma serie de asseverações sobre a busca pela felicidade, em grego Eudaimonía (eujdaimoniva eu = Bom + daivmwn = Espírito). 
O filósofo entende que os prazeres por serem passageiros, e pelos animais também o buscarem, não conduzem a verdadeira felicidade; as riquezas, que por certo podem dar ao homem muitas alegrias, não podem garantir que seu corpo não padeça, ou que alguém de sua família morra, e assim, não podem trazer a felicidade; as honras fazem homem mais humilde orgulhoso e consciente de suas próprias boas obras, porém, por se tratar de uma resposta a ações de outros homens, não garantem a felicidade e na verdade, não servem também. Aristóteles diz que a verdadeira Eudaimonía se encontra onde os deuses também buscam felicidade, isto é, na contemplação, no contato com o sagrado, numa vida racional e moral. Nos evangelhos (Mateus e Lucas) encontramos o termo makários (maka,rioj) para designar aquele que alcançou o estado de felicidade. Jesus em seu sermão deseja mostrar quem é aquele que alcançou a felicidade, aquele que é bem aventurado.
O evangelho de Lucas foi provavelmente o terceiro dos sinópticos a ser escrito. O autor afirma que se utilizou das melhores fontes disponíveis na época para contar a história daquilo que havia ocorrido entre os discípulos. Primeiramente com a presença do Mestre Jesus, e depois no segundo volume, hoje chamado de Atos dos Apóstolos, os eventos que se seguiram depois da ascensão de Cristo. O evangelho com um vocabulário rico do grego evidenciando o alto padrão culto do autor é também o evangelho mais detalhista principalmente em questões geográficas ou históricas. A autoria lucana foi defendida por grande parte dos pais da igreja, tais como Irineu, Clemente, Tertuliano, Eusébio e Jerônimo. Mas as provas internas já seriam suficientes, onde observamos ser o “médico amado” o autor do evangelho. Escrito por volta de 62 d.C. em Roma, onde na companhia de Paulo pregava o Evangelho de Cristo, tinha por intenção explicar a Teófilo, que pertencia a alta sociedade romana, o que acontecera no início da igreja de Cristo. Apesar de fazer parte do grupo dos sinóptico muitas partes são exclusivas do Evangelho de Lucas, tais como os muitos hinos que preambulam o nascimento de Cristo. É também o único a registrar a infância de Cristo, provando o quão acurado fora a pesquisa que se propôs. Pode assim ser esboçado:
I. Prólogo 1.1-4
II. A narrativa da infância 1.5-2.52
III. Preparação para o ministério público 3.1-4.13
IV. O ministério Galileu 4.14-9.50
V. A narrativa de viagem (no caminho para Jerusalém) 9.51-19.28
VI. O ministério de Jerusalém 19.29-21.38
VII. A paixão e glorificação de Jesus 22.1-24.53

E é no ministério Galileu, que encontramos Jesus operando várias maravilhas, no capítulo seis Lucas destaca algumas delas, como a cura do homem da mão ressequida nos versículos do seis ao onze, como também faz a convocação dos 12 apóstolos, homens que em si nada haviam de especiais, mas que a partir daquele momento tornar-se-iam gigantes no mundo. No versículo dezessete Lucas afirma que Jesus descera do monte ou de alguma parte dele, e numa planura inicia o seu sermão, por outro lado o texto correspondente, em Mateus, afirma que Jesus subira no monte e então começara a falar. Tem se dado algumas soluções para esta aparente contradição. As duas mais famosas são:
a)      A planura era uma parte do monte onde Jesus se encontrava, e ali se deteve. Assim, os dois sermões são os mesmos.
b)      São sermões diferentes, Jesus havia falado a respeito destes temas várias vezes e em lugares diferentes, cada autor escolheu um dos lugares para falar.
A segunda opção parece ser mais viável, pelo fato de haver também discrepâncias no próprio conteúdo dos sermões, pois Mateus coloca vários temas que Lucas não evoca, enquanto que Lucas mesmo falando dos mesmos temas também omite alguns termos usados por Mateus. O que está registrado nos evangelhos não é o sermão em si, mas um sumário daquilo que Jesus abordara, pois não precisamos de muito tempo para ler todas as bem-aventuranças registradas no evangelho, era de se esperar que Jesus explicasse cada ponto. E assim, cada evangelista sumarizou aquilo que o Espírito Santo lhe inspirou a escrever. Estes sermões tão famosos mostram aquilo que Jesus enfatizou no seu ministério e ao contrário do que muitos pensam, a felicidade foi o grande ponto destacado, pois a vida cristã é uma vida feliz.
Gostaria assim, de falar a respeito da “Eudaimonía, a busca por uma felicidade sem Hedonismo”.
 O homem natural por mais próximo que chegue da verdade, não consegue contemplar a revelação se ela não lhe for mostrada. Apesar de Aristóteles ter acertado quando não busca a felicidade em coisas terrenas, mas nas divinas. Ele não sabe em que Deus achar a Felicidade. Paulo enquanto falava no Areópago aos Epicuristas, que eram hedonistas e Estóicos, que defendiam uma busca pela felicidade semelhante a Aristóteles, revela quem é o Deus verdadeiro que criou o kosmos, como gostavam de chamar os Estóicos. E é exatamente a revelação do Deus verdadeiro que diferencia a Eudaimonía cristã de qualquer outra. O termo Escriturístico, Makários, tem significado semelhante ao da Eudaimonía. Porém, como proposto por Cristo, Makários é uma benção, é um dom dado por Deus, e assim, só é possível alcançar o Eudemonismo através da benção de Deus. 
O que fica claro no sumário de Lucas a respeito do sermão de Cristo, é que a felicidade não está numa vida segura e tranquila externamente. A felicidade real está na alma. É a respeito do espírito que Jesus está tratando. E assim, são felizes os pobres, os famintos, os chorosos e os odiados, mas não por conta de si mesmos, porém, porque são convidados a olharem para as promessas de Cristo, a olharem para Deus e a sua Justiça. Diante do fato que o homem vive por volta de 100 anos, a eternidade com Deus é algo extremamente atraente e, portanto, os filhos de Deus são convocados a não olharem para os anos terrenos, mas para a atemporalidade do porvir. E baseado no evangelho de Lucas quatro pontos são sumarizados para a reflexão :
1.      Bem Aventurados os Pobres. O texto correspondente em Mateus nos informa que os pobres aqui citados, são os pobres de espírito, não necessariamente pobres materialmente, pois não precisamos afirmar que a pobreza material é uma benção. Apesar de que, como o evangelho de Lucas nos informa, é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus. Lc 18:25. Os pobres de espírito são aqueles que pelas situações da vida foram quebrantados e humilhados e reconhecem o seu estado e não tomam pra si glória alguma. Eles foram quebrados de todo o orgulho e soberba. Tomás de Aquino acreditava ser o orgulho o pior e pai de todos os pecados, porque é quando orgulhoso que homem pensa ser auto-suficiente, e assim, acha ser possível viver a parte de Deus, foi este pecado que caíram o diabo e os nossos primeiros pais, Adão e Eva. Mas, os pobres de espírito são aqueles que podem afirmar junto com o salmista: Eu sou pobre e necessitado, porém o Senhor cuida de mim; tu és o meu amparo e o meu libertador; não te detenhas, ó Deus meu! Sl 40:17. 
   Os felizes são aqueles que negam a si mesmos e tomam a sua cruz, são aqueles que reconhecem em Deus a sua riqueza, pois não tomam pra si nada do que tem, entendem que tudo é dado por Deus e que tudo é da Graça imerecida, fazendo-os assim, pobres de qualquer coisa. A estes está reservado o Reino de Deus. Jesus promete que o Seu Reino é dado àqueles que se humilham e põe sua vida em Deus. O termo Reino de Deus (basileía tou theou/) é um dos temas principais dos evangelhos, em Mateus encontramos o termo Reino dos Céus (basileía ton ouranon) o evangelista publicano provavelmente, como um bom judeu, preferira trocar o termo “Deus” para um outro similar. Mas o que seria então o Reino de Deus? Não há dúvidas de que o Reino é espiritual, pois fala de aspectos internos do homem. Jesus diz em João 3:3: Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus. O aspecto espiritual da interpretação das parábolas também evidencia isto, inclusive no fato de muitos não entenderem as parábolas de Cristo, já que este era um método de ensino para facilitar a compreensão, assim, havia um elemento distinto nas parábolas de Jesus, que é exatamente o aspecto espiritual. Desta feita o “Reino não é deste mundo”, por isto a felicidade também não o é. Todos aqueles que procuram a felicidade em seus bens ou em si mesmos são orgulhosos e presunçosos, os verdadeiros pobres de espírito buscam em Deus a sua felicidade e por isto encontram o Reino dos Céus e não o reino da terra.
2.      Bem Aventurados os que têm fome agora. Semelhantemente aos pobres de espírito precisamos consultar o relato correspondente em Mateus para entender a que fome Jesus está tratando. Em Mateus 5:6 está escrito: Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos. Surge-nos, então, uma outra dúvida: a que justiça se refere Cristo? Alguns vão tentar argumentar que Jesus está tratando da “justiça social” e assim, prometendo um mundo mais justo para estes famintos. Alguns problemas são evocados com esta interpretação:
a)      Ela retira todo o aspecto espiritual do sermão, defendendo assim um mero aspecto material. E isto parece se opor exatamente com o tema principal do sermão, que é a felicidade acima das coisas materiais.
b)      Esta promessa não se cumpriu com os apóstolos, pois os mesmos viveram numa vida das maiores injustiças sociais, onde várias vezes foram acusados injustamente.
c)      Se todos os que têm fome e sede de justiça social serão fartos, qual a necessidade de olhar para Cristo no meio das aflições? E seriam os pobres uma classe especial que será salva por sua pobreza?
A Justiça comentada por Jesus é tão espiritual quanto a pobreza do versículo anterior. Aqueles que tendo negado o seu “eu” e se humilharam perante o Senhor, clamam por Sua Justiça, por saberem que o Justo Juiz é quem os fará saciar-se. Clamam por misericórdia divina porque entendem que o seu destino é a morte eterna, porque compreendem que a sua alma só será saciada ao beber da água para a vida eterna. Interessante notar o uso do advérbio de tempo nun que significa agora, só encontrado neste versículo e no próximo a respeito dos chorosos, também não está no sermão de Mateus. Mostra-nos a preocupação emergencial do sermão de Jesus, ele está preocupado com o agora, com aqueles que se humilharam agora, pois sua felicidade só é completa no saciar-se em Deus, no estar completo em Deus, pois sabem, como disse Santo Agostinho: “Tu nos fizeste para Ti mesmo, ó Senhor, e o nosso coração é inquieto até que encontre em Ti o repouso”. E assim precisam do encontro com Deus para descanso e felicidade de sua alma.
3.      Bem Aventurados os que choram agora. Esta bem-aventurança para a mente natural será um contra-senso. Como conceber que são “felizes os que agora choram”? Novamente encontramos o advérbio temporal nun, eles não ficarão felizes amanhã ou depois, eles estão felizes agora enquanto choram. Enquanto suas lágrimas são derramas aos pés de Cristo. O termo klaío significa um sentimento profundo de tristeza e choro, em Mateus o termo é mais enfático, pois o primeiro evangelista usa o termo pentheô que é um lamento profundo, semelhante a tristeza da perda de um ente querido. Como o verbo se encontra no particípio presente poderíamos melhor traduzir o verbo no gerúndio do português e assim teríamos: “Felizes são os que estão chorando agora”. Jesus se refere àqueles que sofriam naquele instante, enquanto o ouviam, suas almas gritavam de tristeza. Mas não é qualquer tristeza, os bem-aventurados são os que estão chorando agora por reconhecerem sua situação e seu destino final. São aqueles que estão descontentes com o pecado, e não só o seu pecado, mas sofrem com o pecado e sujeira de todo o mundo. Quando olham ao seu redor lembram o profeta que disse: ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros, habito no meio de um povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o Rei, o SENHOR dos Exércitos! Is 6:5. Quando penso em choro, lembro da minha avó, pois quando criança, ela por várias vezes cantava músicas pra eu dormir, normalmente, por ser assembleiana, músicas da Harpa Cristã. E sempre começava a chorar, eu prontamente tomava a minha fralda e enxugava os seus olhos, não conseguia, mesmo que sem entender, vê-la chorar. Jesus ao ver seus filhos chorarem toma o seu “manto tinto de sangue” e responde com uma doce palavra de consolo, pois Ele diz “aqueles que estão gritando de tristeza agora, gritarão de alegria.” Ele nos convida a olhar pra cruz, é por isto que os bem-aventurados choram aos pés do mestre, pois é dEle que vem o consolo, é dEle que vem a palavra: Está consumado. É Ele quem purifica e perdoa, e assim, os que clamam por perdão serão perdoados, serão consolados.
4.      Bem Aventurados os odiados. O apostolo Paulo consolando o pastor Timóteo diz: Ora, todos quantos querem viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos. 2 Tm 3:12. Este consolo é verdade em todos os tempos, Jesus nos informa que são felizes e devem regozijar-se aqueles que são perseguidos. Aqueles que pela loucura da pregação do Evangelho são zombados, odiados, rejeitados e injuriados, a estes está reservada a alegria inefável do Espírito Santo. Mesmo em meio a tormenta, a tortura de todas as formas, eles são felizes. Novamente olham para a cruz e é nela que encontram forças e consolo. Algumas coisas precisam ser esclarecidas sobre este tipo de perseguição, ou melhor, sobre o motivo dela. Foi postado a pouco tempo no Blog “o tempora o mores” um texto que comenta a respeito de toda a loucura que se tem feito “em nome do Evangelho”. Jesus deixa claro que os bem-aventurados são os que são perseguidos por causa dEle, por causa da pregação do Evangelho e não por alguma demonstração quase artística feita por certos grupos ditos evangélicos. A pregação é loucura para o mundo, mas não por causa da forma como ela é pregada, mas pelo seu conteúdo intrínseco. Pelo valor das suas proposições, ela exige uma mudança radical de mente e de comportamento, da qual o homem natural não está disposto, por isto zomba e persegue aqueles que em Cristo fazem isto.
Para conclusão gostaria de enfatizar alguns pontos para aplicação de tudo que foi falado aqui. A felicidade não é uma obra humana, é um dom de Deus. Todas as alegrias momentâneas da vida, e suas tristezas, nada tem a ver com a verdadeira Eudamonía. Jesus nos convida a sermos “eudemoniados” nEle, e somente nEle. Os felizes são os que se humilharam e reconheceram que nada são perante o mestre, são os que sua alma é sedenta pela justiça de Deus, onde suas almas incansáveis clamam por salvação, e por isto choram, a consciência de pecado lhes é tão forte que quase não podem suportar a dor, e como se não bastasse a dor na alma, a dor física também lhes é imposta, pois sofrendo perseguição, zombaria, rejeição, regozijam-se em Cristo. São constantemente felizes, o Evangelho é um convite a felicidade. Você quer ser feliz?

Quine: Realismo implica Empirismo?

A epistemologia tradicional desde o tempos mais remotos, remete-se a uma busca por uma justificação do conhecimento, ou uma filosofia primeira, que sendo a priori, corresponde a verdades universais, ou juízos analíticos, que são as proposições tomadas como verdadeiras independentes dos acontecimentos do mundo. O positivismo lógico advogado principalmente pelo círculo de Viena, permanecia com esta busca. Para Schlick e Carnap as teorias científicas descrevem o mundo como ele é de fato, e portanto, fala da verdade imutável. O argumento principal é que mediante aos acertos em prever os fenômenos, as teorias científicas só podem estar falando do mundo externo como ele é.  Desta feita, afirmam a teoria verificacional de significado, onde qualquer proposição para ser verdadeira deve ser submeter a verificação científica, para desta feita ser considerada correta. A isto podemos chamar de realismo científico, pois os objetos científicos, e somente eles, são reais no mundo. 
Ao escrever Dois Dogmas do Empirismo, Quine demonstra que o realismo científico é sem sentido. Os dois dogmas não justificados seriam (1) a distinção entre verdade analíticas e verdades sintéticas, (2) o reducionismo em que para toda proposição lógica existe um dado experiencial equivalente (verificacionismo). Para o primeiro dogma, Quine, argumenta que não faz sentido falar de uma verdade independente dos fatos do mundo, uma verdade a priori, por quanto, o significado das coisas é dado por meio do uso linguístico, e assim, pragmático dos termos. Desta feita, não há uma definição a priori e muito menos uma verdade a parte da pragmática. Todas as verdade seriam sintéticas, mas não no sentido verificacionista, no qual a verdade é “julgada” pela ciência e torna-se absoluta. Para refutar isto, Quine, observa que não há verdades destituídas de um contexto semântico-pragmático, e mesmo assim, revisável mediante a mudança de contexto pragmático ou semântico. A ciência ganha um novo significado, pois ela não mais tem o “poder” de dizer verdades absolutas, mas de afirmar verdade enquanto o método usado for plausível, as garantias não inferem uma imutabilidade, mas dentro do próprio significado de ciência a verdade é revisável sempre. Ele vai mais adiante, ao afirmar que tudo pode ser revisável, mesmo a matemática e a lógica, e por fim a própria epistemologia. Desta feita, a epistemologia deixa de ser a busca pela verdade imutável, e torna-se um capítulo da psicologia, pois ela seria tão cientifica quanto, sendo assim mutável.
No artigo Epistemologia Naturalizada, Quine propõe, desta vez de modo mais positivo, aquilo que deseja defender a respeito da epistemologia.  Refutados os dogmas do empirismo, este agora seria uma ciência sem dogmas. Definindo o conceito de epistemologia Quine diz:
A epistemologia, ou algo que a ela se assemelhe, encontra seu lugar simplesmente como um capítulo da psicologia e, portanto, da ciência natural. Ela estuda um fenômeno natural, a saber, um sujeito humano físico. Concede-se que esse sujeito humano recebe uma certa entrada experimentalmente controlada – certos padrões de irradiação em variadas freqüências, por exemplo – e no devido tempo o sujeito fornece como saída uma descrição do mundo externo tridimensional e sua história.[1]
Destarte, a epistemologia é o estudo da observação das entradas experienciais (input) e das muitas respostas de saída ou expressões linguísticas das experiências (output). E por ser um estudo observacional é natural e empírico, portanto, científico. A psicologia behaviorista recebe um grande aliado, pois, epistemologia seria o estudo do estímulo e resposta mediante uma determinada experiência sensorial.
Quanto ao realismo e anti-realismo, Quine parece se opor ao realismo radical dos proponentes do positivismo lógico. O realismo científico advoga que devemos “dado o fantástico sucesso preditivo, crer que essas entidades inobserváveis supostas ou postuladas (a) realmente existem e (b) são aproximadamente tais como as descrevem as teorias científicas maduras[2].” O problema para Quine é que se cabe a ciência determinar o que é real do que não é, a ela se dá uma função transcendental de busca pela verdade, e a isto ele crítica nos Dois Dogmas. Portanto, o realismo científico não é uma opção válida para Quine, seria assim, o caso do anti-realismo? Ao que parece, Quine não faz uma opção pelo anti-realismo, antes, redefine alguns termos para defender um realismo natural. Este realismo não busca uma verdade transcendente e imutável, mas mediante a variedade de modelos científicos, os objetos observáveis ou não são reais. Para Quine, tanto faz um objeto científico ser ou não observável para ser real, pois, o modelo científico usa ambos objetos para explicar os fenômenos. Enquanto o anti-realismo defende que devemos ser agnósticos em relação aos objetos não observáveis, o realismo natural de Quine, advoga que o homem não tem evidência para a existência de corpos além do fato de o modelo científico o ajudar a organizar a experiência, devendo-se, portanto, em vez de desacreditar a evidência para a existência de corpos, concluir: tal, então, no fundo, é o que evidência é, tanto para corpos ordinários como para moléculas. Destarte, o empirismo implica um realismo natural, mesmo sem haver verdades absolutas, os objetos são dados como reais enquanto os modelos científicos parecem adequados para explicar a experiência.
Diante do exposto, pode-se responder que para Quine há um realismo e este é empírico e natural. Onde o modelo científico que se adéqua melhor para explicar determinada experiência dirá quais objetos existem, sem, no entanto, significar um realismo restrito que não possa haver mudanças, mas um realismo maleável, em que possa se revisar os modelos, e a partir deles, informas a realidade num determinado contexto.



[1] QUINE, W. V. O. Epistemologia naturalizada. In. Col. ‘Os Pensadores’. São Paulo: Abril Cultural, 1975. pp. 170.
[2] NASCIMENTO, Marcos Bulcão. É possível um realismo pragmatista? Quine e o naturalismo. In: COGNITIO-ESTUDOS: Revista Eletrônica de Filosofia. Volume 5, Número 2, Julho-Dezembro. São Paulo: 2008, pp. 105. 

Salmo 116:10-14

Cri, por isto falei: estive muito aflito.

O salmista crendo abriu o seu coração a Deus. O termo crer aqui colocado é da mesma raiz da palavra Amém. A crença que o salmista depositou não era uma simples confiança de que as coisas poderiam melhorar, ou que talvez no futuro as coisas não estivessem tão ruins. Havia uma certeza absoluta que em Deus ele poderia descansar sua alma (Vs7). E assim, crendo no Deus que tem poder sobre todas as coisas ele poderia depositar sua aflição. O termo aflito também nos chama atenção na língua hebraica, pois é a mesma palavra para os que são afligidos socialmente, aqueles que na lei não se deve retirar a capa, pois é tudo o que lhes resta (Ex. 22.25-26). Também aqueles que foram gravemente feridos (Is 51.21). E também os que estão numa profunda depressão na sua alma. O termo “muito” aponta para a intensidade da aflição do salmista, estava em profunda agonia, dor, depressão é possível que não tivesse nem onde deitar a cabeça, ou vestir-se ou ainda comer.

Todo homem é mentira.

Enquanto padecia, o salmista via que em ninguém poderia confiar “todo homem é mentira”, não havia a quem recorrer, a depressão o tinha deixado desconfiado de todos, talvez pensasse que cada pessoa que cruzasse o seu caminho o queria destruir, em meio aquela terrível situação, que esperava receber auxílio dos mais próximos, mas isto não aconteceu, não havia em quem confiar, não bastava a dor a solidão se apossou dele.

Que darei ao Senhor, por todos os benefícios que me tem feito? 

É nesta grande desgraça, que o Senhor ouviu a aflição do seu servo. Quando não podia confiar em mais ninguém, quando se sentia só, pobre, faminto, talvez num estado quase de morte, ao menos a dor da angustia deveria fazê-lo desejar a própria morte. É por isto que o Salmo se inicia com estas palavras de alegria e júbilo: AMO AO SENHOR, PORQUE ELE OUVIU A MINHA VOZ E A MINHA SÚPLICA. Deus mudou a situação de dor e sofrimento e fez o salmista sentir alegria novamente em sua alma. Por isto, o salmista questiona o que poderia fazer para agradar àquele que fez o que ninguém poderia fazer por ele. Qual seria a ação de graças para alguém que tinha perdido tudo e moribundo estava, mas que agora os raios de sol da alegria brilhavam o seu rosto? A resposta vem em seguida:

Tomarei o cálice da salvação, invocarei o nome do Senhor. Pagarei os meus votos ao senhor, agora, na presença de todo o seu povo.

O cálice, que em sentido figurado pode ser tanto negativo quanto positivo, aqui é colocado da forma mais positiva que poderia ter, o cálice que transborda do Salmo 23, o cálice da salvação. A palavra “salvação” que no hebraico é a conhecida Yeshua é também a raiz do no de Jesus. Obviamente esta salvação aqui colocada pelo salmista tem uma grande amplitude, pois é a salvação da tristeza, da dor, da angustia, da depressão, da opressão social. E todas aquelas mazelas nas quais o salmista estava envolvido, porém, há um sentido mais profundo desta salvação que é a redenção em Cristo Jesus. Tomar o cálice de Yeshua, a água da vida, na qual aquele que beber nunca mais terá sede. O salmista não só se apropriará da salvação em Cristo, como também invocará o seu poderoso nome. O nome do Senhor é convocado, o salmista convida o Senhor para estar continuamente em sua vida, como o Ser soberano sobre todas as coisas. Deus é adorado continuamente, invocado na vida do salmista. E por fim, as obras que são cabidas aos crentes. Os votos, a obediência a santa lei de Deus. A busca pela santidade, a reverência e a honra. E isto não é feito num quarto escondido, mas na frente de todos, para que todos saibam que o salmista foi auxiliado pelo grande Deus, e que este Deus é Deus de amor, e o Deus que responde. 

Leibniz: Liberdade e Necessidade.

Leibniz defende a razão como norteadora para a moralidade. Ser moral, para Leibniz, é agir de acordo com a razão, esta razão não foi criada, como diria Descartes, mas é co-eterna com Deus. Nem é fruto da vontade de Deus, mas unicamente da sua própria essência, de forma que nós compartilhamos desta racionalidade de Deus, obviamente, de forma limitada. Leibniz enquanto discute a teodicéia, afirma que Deus escolheu criar o melhor dos mundos possíveis, não porque isto era necessário como se o contrário fosse uma contradição, mas que diante dos infinitos mundos possíveis a serem criados, inclusive o “mundo” que não há mundo criado, Deus por meio de sua essência racional escolheu livremente criar este mundo que existe. E este mundo era o melhor a ser criado porque é o mundo escolhido por meio da razão. Para escapar de alguma crítica a respeito da necessidade que isto causaria a Deus, e portanto, não seria um ato livre Leibniz fez uma distinção a respeito da necessidade absoluta e a necessidade moral ou hipotética. A primeira é a necessidade da qual o contrário seria uma contradição, a existência de Deus, por exemplo, seria necessária neste sentido, assim como as leis da lógica. Por outro lado, a necessidade moral ou hipotética é aquela que considera a vontade na pré-determinação do ato. Leibniz afirma que assim como é verdade que na necessidade hipotética há uma pré-determinação das ações, assim também há um querer da criatura sobre aquela determinada ação. Desta feita, a necessidade hipotética é aquela em que diante dos vários mundos possíveis é feita uma opção por um deles. Isto explica porque Deus, apesar de penalizar os pecados dos homens, e sendo estes homens incapazes de não pecar, ainda assim permanece justo. Estes homens são incapazes de não pecar porque escolhem o pecado todas as vezes que lhes é proposto. Sua vontade é sempre pecaminosa, e por isto, optam por pecar, assim, Deus é justo em penalizar os atos destes, mesmo que sejam atos necessários, já que não podem fazer o contrário, porém, não seria uma contradição se fizessem o contrário, pois caso lhes fosse proposto o pecar e o não pecar, haveria um mundo possível em que optariam por não pecar, no entanto, pela sua própria vontade preferem pecar.
Leibniz parece receber uma forte influência do jesuíta Luiz Molina (1535-1600), ele defendia o que posteriormente foi chamado de molinismo, que compreende a onisciência e os decretos de Deus da seguinte maneira: Há três tipos de “conhecimento”, o natural, o médio e o livre. O conhecimento natural diz respeito as possibilidades ou os diversos mundos possíveis para uma determinada coisa acontecer. O conhecimento médio diz respeito aos mundos factíveis, que são as proposições que permanecem verdadeiras mesmo diante de se opor os mundos possíveis com os seus contrafactuais. São os mundos em que não há uma contradição com outros mundos. Por exemplo: Existe um mundo possível onde Ronaldo não consegue entregar o trabalho do professor Érico na quarta-feira nas mesmas condições que se encontra agora, no entanto, este mundo não é factível (eu espero), diante do fato que nas condições que se encontra, ele vai entregar. Por fim, há o conhecimento livre que é o conhecimento do mundo real. Deus é conhecedor de todos estes conhecimentos, e assim, faz os seus decretos (necessidade), baseado inicialmente no conhecimento natural, depois no conhecimento médio e, por fim, no conhecimento livre, e no conhecimento do próprio decreto, Deus tem presciência de tudo o que acontecerá. Em outras palavras, Deus decreta criar certas criaturas livres em certas circunstâncias e, assim, baseado em seu conhecimento médio e no conhecimento do próprio decreto, Ele torna necessário tudo o que acontece. A harmonia geral de Leibniz se assemelha muito ao molinismo. Para Leibniz mesmo que haja mal no mundo, a criação não é má. Porque o todo é maior que a parte, e a bondade é infinitamente melhor que a maldade. Assim, Deus resolveu criar livremente um mundo em que há o mal, porque diante do conhecimento médio que tem era o mais racional a ser feito e, portanto, era moral e melhor.
É importante explicar o conceito de liberdade em Leibniz, pois pode parecer que por Deus ser essencialmente racional, não haveria liberdade alguma nEle por agir racionalmente. No entanto, Leibniz diz:
É antes a verdadeira liberdade, e a mais perfeita, poder usar o melhor de seu franco arbítrio, e de exercer sempre esse poder, sem ser desviado, nem por força externa, nem por paixões internas, cujas fazem dos corpos escravos. Não há nada mais servil do que ser sempre levado ao bem, e sempre por sua própria inclinação, sem nenhuma empecilho, e sem algum desagrado. E de fazer a objeção que Deus precisava então de coisas externas, isso não passa de um sofismo. Ele as criou livremente: mas tendo se proposto um fim, que é o se exercer sua bondade, a sabedoria o determinou a escolher os meios mais próprios para se obter esse fim. Chamar isso necessidade, é tomar o termo num sentido não ordinário que o priva de toda imperfeição, um pouco como se faz quando se fala da cólera de Deus[1].
Desta feita, para Leibniz, agir livremente é agir moralmente, levado ao bem, ao melhor, e isto só pode ocorrer mediante a razão. Portanto, Deus ao agir racionalmente age livremente e moralmente. E por ser o homem, racional, cabe também a este agir de maneira livre e moral, buscando sempre o bem maior. Pois é da essência do homem ser racional, e assim, ser também moral. Destarte, o homem é livre quando age mediante a razão, quando age de acordo com sua essência, e peca todo aquele que age de outra maneira. O homem é livre mesmo diante da necessidade dos decretos de Deus, porque a necessidade hipotética leva em consideração a vontade do indivíduo. Deus sabe tudo o que o homem vai fazer em determinadas situações num certo contexto, e este homem, é livre se fizer aquilo que Deus deseja que ele faça, o bem, e será um escravo se obedecer as suas paixões internas e fizer algo mal. Mas se Deus não quer que o homem faça o mal, e tem poder para impedir, por que não impede? Leibniz responde que impedir que o homem faça um mal, é cometer um mal maior ainda, e no caso de Deus, ser irracional, o que Lhe é impossível. Pois, o mal cometido levará a um bem maior e, portanto, é mais racional permitir este mal do que impedi-lo. Leibniz também faz uma distinção entre as vontades de Deus, de maneira antecedente, Deus não quer que ninguém peque, todavia de maneira consequente ele permite o pecado. Isto porque, este pecado da vontade consequente leva a um bem maior e, portanto, é mais racional, e como Deus não pode agir de maneira irracional, ele permite que se peque, contudo, penaliza pelo pecado cometido, pois a criatura por sua vontade agiu assim.

Para conclusão, observa-se que a liberdade e a necessidade em Leibniz estão intimamente ligadas com o agir moral e racional. De maneira tal, que agir livremente é agir moralmente ou racionalmente. E mesmo que os acontecimentos sejam necessários por conta da onisciência de Deus, a teoria da necessidade hipotética, que leva em consideração a vontade, não retira a culpa da criatura mediante um ato de maldade, ao contrário, dá-lhe a culpa necessária para a pena que lhe é imposta por Deus, a saber, inferno.



[1] LEIBNIZ, G.W. Ensaios de Teodicéia. Trad. Louise Walmsley, 2009. Texto usado exclusivamente para aula de Teoria do Conhecimento II. Pág. 7. 

Processos de Tentação

Gênesis 3:6 Vendo a mulher que a árvore era boa para se comer, agradável aos olhos e árvore desejável para dar entendimento, tomou-lhe do fruto e comeu e deu também ao marido, e ele comeu.
Três processos podem ser destacados. Primeiramente Eva viu que a árvore era tov para se comer. O texto hebraico usa a mesma palavra que Deus disse a respeito da Sua criação terminada, Eva parece começar aceitando aquilo que o próprio Deus já havia falado sobre aquela árvore: - ora, se o próprio Deus disse que ela é tov, então para mim ela deve ser tov também. Eva inicia o processo da tentação usando o próprio Deus como desculpa, mas suas intenções, como veremos a seguir, já se iniciara para o mal, e o desejo já lhe estava a porta. A serpente já havia envenenado a cabeça de Eva, e a concupiscência (guardem esta palavra) estava sendo parida. O outro processo observado no texto é que além de boa a árvore lhe pareceu “agradável aos olhos”. Em hebraico a palavra dá uma ideia de “apetite”, Eva começou a salivar ao ver o fruto, o desejo dela era de saciar seu apetite, a árvore era então apetitosa. O pecado não parecia mais uma coisa tão ruim assim, pois estava lhe causando desejos. - Ora, uma coisa tão apetitosa assim, não deve ter mal algum. Talvez dissesse Eva. A argumentação da serpente já havia conquistado o coração da mulher. O último processo é o do desejo irresistível. A árvore era “desejável para dar entendimento”. A palavra desejável wenehmad é um verbo na voz reflexiva, o que nos mostra que a árvore já exercia uma ação contra Eva e Eva contra a árvore: A árvore dava desejo a Eva e Eva desejava a árvore. Eva desejou conhecer as coisas a parte de Deus, sua boca já estava cheia de saliva de tanto apetite, e via o quanto era boa. Uma coisa ainda nos trará luz sobre o texto da tentação de Eva, alguns versículos antes o autor do livro havia mencionado a criação de Deus e quando Deus criou as árvores ele diz:
Gênesis 2:9 Do solo fez o SENHOR Deus brotar toda sorte de árvores agradáveis à vista e boas para alimento; e também a árvore da vida no meio do jardim e a árvore do conhecimento do bem e do mal.
Interessante notar que são as mesmas palavras da tentação de Eva. Deus criou as árvores não apenas boas para saciar a fome e para sustentar a vida, mas agradáveis de olhar. Quantas cores, quanta beleza há nas árvores e nos frutos da criação de Deus, uma grande variação de cores e sabores para o prazer do homem (lembrem do que significa Éden). Deste jeito é muito provável que a árvore do conhecimento do bem e do mal fosse realmente frondosa e bela, com cores vivas que chamavam a atenção. No entanto, notamos que Eva teve um desejo além daqueles citados no capítulo 2, Eva desejou para conhecimento. Observe que ela começa desejando segundo a árvore fora criada, e depois subverte o desejo para algo além do que Deus havia dito. Nossas tentações não costumam ser assim?! Desejamos fazer alguma coisa que aquilo não foi destinado na criação para ser feito. O desejo pecaminoso se inicia neste aspecto.
O apóstolo João escrevendo sua primeira carta, faz um alerta sobre o que se passa no coração do homem na tentação. Ele diz:
I João 2:15-16  Não ameis o mundo nem as coisas que há no mundo. Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele; porque tudo que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não procede do Pai, mas procede do mundo.
O termo concupiscência em grego é epithumía, um desejo muito grande por aquilo que é proibido. “concupiscência significa desejo, vontade, cobiça, uma palavra sempre usada na Bíblia com conotação negativa, especialmente quando se refere à ‘carne’, que João emprega aqui no sentido de natureza pecaminosa e corrompida do homem.”[1] Fazendo um paralelo com o que aconteceu com Eva, com as devidas proporções já que inicialmente Eva não tinha a natureza pecaminosa, que o desejo de se alimentar, ou alimentar a carne é a concupiscência da carne, a vontade de satisfazer o que o corpo está pedindo. A concupiscência dos olhos é o apetite, numa linguagem mais moderna seria o chamado “comer com os olhos”. E por fim, a soberba da vida, é o desejo da autonomia em relação a Deus, de ter conhecimento a parte da palavra de Deus, é se achar o seu próprio Deus. Desta feita, toda vez que o homem peca ele tem estes três desejos que já em si são pecaminosos: Satisfazer o desejo carnal, alimentar este desejo dos olhos, como que já estivesse praticando o pecado com a mente, e por fim o ato em si dizendo a Deus que está livre dEle e pode ter suas decisões a parte dEle. O Irmão de Jesus, Tiago, também comenta sobre a cobiça do homem e usa a mesma palavra que João havia usado:
Tiago 1:13-15  Ninguém, ao ser tentado, diga: Sou tentado por Deus; porque Deus não pode ser tentado pelo mal e ele mesmo a ninguém tenta.  Ao contrário, cada um é tentado pela sua própria cobiça, quando esta o atrai e seduz.  Então, a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, uma vez consumado, gera a morte.
Esta é a clássica analogia de Tiago para como o pecado nasce no coração de cada pessoa. Primeiro ele deixa claro que a tentação não vem de Deus, mas do próprio homem, esta reside na cobiça (aquela palavrinha falada anteriormente como concupiscência). Tiago explica as coisas desta maneira: “Um Garoto está caminhando e uma garota linda surge em sua frente (um doce pra quem adivinhar o nome dela), então a beleza dela encanta o garoto o atraindo e o seduzindo, na verdade mais do que a beleza, a garota deixa claro que ela esta desejando o garoto. As coisas não terminam ai, e ele corre para os braços dela e ambos tem uma noite bem acordados fazendo coisas das quais nós já sabemos. Para a surpresa do garoto ela engravida, e 9 meses depois surge com o filho, e agora o mais impressionante acontece: o filho do garoto mata ele!” Esta história parece estranha não? Mas você conhece perfeitamente, pois ela acontece diariamente com cada um de nós. Tiago afirma que cada um de nós é tentado pela linda garota chamada cobiça (já tinha adivinhado?), e nós temos um filho chamado pecado e é ele mesmo quem nos mata. Assim mesmo acontece conosco ao pecarmos, provocamos a nossa morte (o afastamento da presença de Deus), nossa própria cobiça, algo que nos é tão natural, provoca a nossa própria ruína. Ao contrário do que normalmente se fala, as coisas que são naturais ou até mesmo as que são vindas no nascimento nem sempre são boas ou corretas. Nossos desejos são errados e pecaminosos desde o dia que nossos primeiros pais pecaram contra Deus. Cada um de nós é chamado a negar-se a si mesmo, lutando contra aquilo que parece tão natural, mas que nada mais é do que desobediência a Deus.
Mateus 16:24  Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me.


[1] LOPES, Augustus Nicodemus. Interpretando o Novo Testamento: Primeira Carta de João. São Paulo: Cultura Cristã, 2004. Pág. 69. 

Deus é Autor do pecado?

Assista este vídeo, depois eu volto:





Voltando: Bom, vou tentar colocar de uma maneira mais clara, porém, devo alertar que este assunto é de grande incomodo ao homem, por ser difícil encaixar todos os por menores. Peço que leiam com paciência e reflexão. Vou começar pela confissão de fé de Westminster, porque acredito ser ela uma ótima exposição das doutrinas Bíblicas:
I. Desde toda a eternidade, Deus, pelo muito sábio e santo conselho da sua própria vontade, ordenou livre e inalteravelmente tudo quanto acontece, porém de modo que nem Deus é o autor do pecado, nem violentada é a vontade da criatura, nem é tirada a liberdade ou contingência das causas secundárias, antes estabelecidas.
Isa. 45:6-7; Rom. 11:33; Heb. 6:17; Sal.5:4; Tiago 1:13-17; I João 1:5; Mat. 17:2; João 19:11; At.2:23; At. 4:27-28 e 27:23, 24, 34.
II. Ainda que Deus sabe tudo quanto pode ou há de acontecer em todas as circunstâncias imagináveis, ele não decreta coisa alguma por havê-la previsto como futura, ou como coisa que havia de acontecer em tais e tais condições.
At. 15:18; Prov.16:33; I Sam. 23:11-12; Mat. 11:21-23; Rom. 9:11-18.[1]
A confissão é taxativa ao afirmar que “Deus não é o autor do pecado”. Mas o que ela quer dizer com isto?! Estaria afirmando que o pecado não faria parte dos decretos de Deus? Quando algumas palavras antes, disse que Deus preordenou “tudo quanto acontece”? Os teólogos de Westminster não eram tão ruins assim para não perceber que havia uma contradição caso quisesse dizer isto. Dr. Gordon Clark ao comentar sobre este ponto da confissão diz que: “sumarizando as Escrituras, a Confissão diz aqui que Deus não é o autor do pecado; isto é, Deus faz nada pecaminoso.”[2] Portanto, a Confissão não contraria o decreto de Deus a respeito do pecado. Para compreender melhor vamos analisar alguns textos citados pela confissão:
Isaías 45:6-7 Para que se saiba, até ao nascente do sol e até ao poente, que além de mim não há outro; eu sou o SENHOR, e não há outro. Eu formo a luz e crio as trevas; faço a paz e crio o mal; eu, o SENHOR, faço todas estas coisas.
Romanos 11:33-36  Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos! Quem, pois, conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu conselheiro? Ou quem primeiro deu a ele para que lhe venha a ser restituído?  Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!
Hebreus 6:17-18  Por isso, Deus, quando quis mostrar mais firmemente aos herdeiros da promessa a imutabilidade do seu propósito, se interpôs com juramento, para que, mediante duas coisas imutáveis, nas quais é impossível que Deus minta, forte alento tenhamos nós que já corremos para o refúgio, a fim de lançar mão da esperança proposta;
Salmo 5:4 Pois tu não és Deus que se agrade com a iniqüidade, e contigo não subsiste o mal.
Vou acrescentar mais alguns textos para comparação:
Isaías 46:10 Que desde o princípio anuncio o que há de acontecer e desde a antiguidade, as coisas que ainda não sucederam; que digo: o meu conselho permanecerá de pé, farei toda a minha vontade;
Jó 42:2 Bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode ser frustrado.
Daniel 4:35 Todos os moradores da terra são por ele reputados em nada; e, segundo a sua vontade, ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes?
Mateus 10:29 Não se vendem dois pardais por um asse? E nenhum deles cairá em terra sem o consentimento de vosso Pai.
Provérbios 16:4 O SENHOR fez todas as coisas para determinados fins e até o perverso, para o dia da calamidade.
Acredito que com estes textos qualquer um ficaria convencido de que Deus é soberano sobre tudo o que acontece. E que quando criou o mundo tinha planos específicos para tudo o que iria acontecer, e assim, todas as coisas foram planejadas por Ele, e como Ele faz todas as coisas segundo a sua santa Vontade, concluímos que tudo o que acontece, assim acontece porque Ele quer. A partir daí segue-se que até mesmo o mal e o pecado fazem parte dos decretos e da sua santa vontade. Como diria minha mãe: é ai que a porca torce o rabo. Como entender que o mesmo Deus que diz:
Salmo 5:5 Os arrogantes não permanecerão à tua vista; aborreces a todos os que praticam a iniqüidade.
E mais uma serie de textos que mostram que Deus odeia o pecado. A ponto de ter destruído o mundo por conta do pecado:
            Gênesis 6:5-6 Viu o SENHOR que a maldade do homem se havia multiplicado na terra e que era continuamente mau todo desígnio do seu coração; então, se arrependeu o SENHOR de ter feito o homem na terra, e isso lhe pesou no coração.
É o mesmo Deus sobre quem é dito:
Êxodo 4:11 Respondeu-lhe o SENHOR: Quem fez a boca do homem? Ou quem faz o mudo, ou o surdo, ou o que vê, ou o cego? Não sou eu, o SENHOR?
Lamentações 3:37-38 Quem é aquele que diz, e assim acontece, quando o Senhor o não mande? Acaso, não procede do Altíssimo tanto o mal como o bem?
Amós 3:6 Tocar-se-á a trombeta na cidade, sem que o povo se estremeça? Sucederá algum mal à cidade, sem que o SENHOR o tenha feito?
Para tentar colocar as coisas de forma mais didática, os teólogos falam de dois tipos de vontade de Deus: A vontade revelada e a vontade secreta. Desta forma a vontade revelada é aquela que Deus mostrou através da Escritura com sua lei, e através das muitas histórias contadas. A vontade secreta é aquela que Ele guardou para si e da qual só conseguimos ver os resultados, mas não os motivos. Sei que isto parece um pouco estranho, mas deixe-me dar alguns exemplos:
Exemplos Bíblicos das Duas Fases da Vontade de Deus
A. A vontade revelada de Deus era que Abraão imolasse Isaque, mas a vontade secreta de Deus era poupar Isaque (Gênesis 22:1-14).
B. A vontade revelada de Deus para José era que ele fosse bem-tratado por seus irmãos, mas a vontade secreta de Deus para José era que ele fosse mal-tratado e vendido como escravo pelos seus irmãos (Gênesis 45:1-15).
C. A vontade revelada de Deus para Israel era que ele vivesse debaixo do Seu governo numa teocracia, mas a vontade secreta de Deus para Israel era que ele vivesse sob reis numa monarquia (Gênesis 17:6; 35:11; I Samuel 8:1-22).
D. A vontade revelada de Deus era que Faraó deixasse os filhos de Israel partir, mas a vontade secreta de Deus era que Faraó recusasse deixá-los partir (Êxodo 4:21-23).
E. A vontade revelada de Deus era que os filhos de Israel ouvissem e obedecessem os profetas de Deus, mas a vontade secreta de Deus era que eles não ouvissem nem obedecessem os Seus profetas (Isaías 6:9-11; Ezequiel. 3:4-11).
F. A vontade revelada de Deus era que os filhos de Israel aceitassem o Senhor Jesus Cristo como seu Messias, mas a vontade secreta de Deus era que eles O rejeitassem e crucificassem (Mateus 23:34-37; Atos 2:22-24; 4:26-28).
G. A vontade revelada de Deus era que Judas Iscariotes fosse um amigo fiel do Senhor Jesus Cristo, mas a vontade secreta de Deus era que Judas O traísse até a morte (Salmos 41:9; Mateus 26:20-25; Lucas 22:21-22; João 13:10-11,18; 17:12).
H. A vontade revelada de Deus era que Pôncio Pilatos libertasse o Senhor Jesus da custódia, mas a vontade secreta de Deus era que Pilatos entregasse Cristo para ser crucificado (João 19:8-16).[3]
I. A vontade revelada de Deus é que o cristão seja santo assim como Ele é, mas a vontade secreta de Deus é que o cristão continue pecando até o dia da glorificação.
Tudo isto parece estranho e absurdo. Os teólogos mais experimentados também sofrem com estas coisas. Calvino ao tratar sobre o assunto reconhece:
Contudo, nem por isso Deus se põe em conflito consigo mesmo, nem se muda sua vontade, nem o que quer finge não querer; todavia, embora nele sua vontade seja uma só e indivisa, a nós parece múltipla, já que, em razão da obtusidade de nossa mente, não aprendemos como, de maneira diversa, o mesmo não queira e queira que aconteça.[4]
John Newton entendendo bem que o limite não está na Escritura, mas na nossa mente caída afirmava: "Atribuirei todas as aparentes incoerências da Bíblia à minha própria ignorância". Ainda falando sobre as dois tipos de vontade de Deus, podemos resumir da seguinte maneira:
I. A Vontade Revelada de Deus
A. Esta é a vontade preceptiva de Deus como contida nas Santas Escrituras.
B. Ela é desvelada por Deus e endereçada ao homem.
C. Ele deve ser cumprida pelo homem.
D. Ela inclui somente o bem e não o mal, somente a justiça e não o pecado.
E. Ela é cumprida somente de uma maneira imperfeita e é freqüentemente desobedecida.







II. A Vontade Secreta de Deus

A. Esta é a vontade de propósito de Deus como contida no decreto eterno ou plano de Deus.
B. Ela não é nem revelada nem endereçada ao homem.
C. Ela é cumprida diretamente e causativamente por Deus ou indireta e permissivamente pelas Suas criaturas.
D. Ela inclui tanto o bem como o mal, tanto a justiça como o pecado.
E. Ela é sempre cumprida perfeitamente e nunca desobedecida.[5]
 Uma questão que ainda pode surgir é a respeito da responsabilidade do homem mediante os decretos de Deus. Como haverá responsabilidade se não há liberdade? A Confissão novamente nos traz luz ao tema:
            (...) nem violentada é a vontade da criatura, nem é tirada a liberdade ou contingência das causas secundárias, antes estabelecidas.[6]
Gordon Clark comenta:
            As referências das Escrituras mostram claramente que Deus controla as vontades dos homens. Durante a rebelião de Absalão contra Davi, Husai deu conselhos medíocres, mas Aitofel deu bons conselhos para Absalão. Absalão, contudo, “e todos os homens de Israel: Melhor é o conselho de Husai, o arquita, do que o de Aitofel. Pois ordenara o SENHOR que fosse dissipado o bom conselho de Aitofel, para que o mal sobreviesse contra Absalão.”(II Sm 17:14). É claro então que Deus, nos seu propósito para que sobreviesse o mal contra Absalão, tanto controlou as vontades de Absalão e de seus homens que eles escolheram o conselho medíocre de Husai em vez do conselho bom de Aitofel.  Foi controlando as vontades destes homens maus, que Deus estabeleceu o trono de Davi, de quem o Messias descende.
            Isto não significa que violentada foi a vontade das criaturas. Não é como se os homens quisessem aceitar o plano de Aitofel e foram forçados a seguir Husai contra seus desejos. Seus processos psicológicos emitiram um desejo para seguir o plano de Husai. Mas deve ser notado que Deus estabeleceu os processos psicológicos tão verdadeiramente como ele estabeleceu os processos físicos.[7]
A liberdade do homem não é violentada neste sentido, porém não está livre de Deus que estabeleceu todas as coisas. O homem é culpado dos seus atos, não por ser livre de Deus, mas porque as suas ações são julgadas por Deus. E porque conhece a lei de Deus e não a pratica. Assim, a responsabilidade se dá por conhecimento e não por liberdade. Mesmo que não conhecendo completamente a lei de Deus, a ponto de saber todos os pormenores da sua revelação, todos os homens tem um conhecimento sobre Deus suficiente para ser indesculpável perante Deus, é isto que nos informa o Apostolo Paulo ao dizer:
            Romanos 1:20-21 Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas. Tais homens são, por isso, indesculpáveis; porquanto, tendo conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças; antes, se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração insensato.
Portanto, não é liberdade que dá culpabilidade ao homem, mas o seu conhecimento sobre Deus. E conhecendo a Deus ainda assim peca. É por isto que o pecado do Cristão ainda é mais reprovável, por quanto tem um conhecimento íntimo com Deus, mas ainda assim, nega este conhecimento, nega o amor de Deus, se esquece de tudo o que Ele fez, e peca. Toda vez que um cristão peca ele está negando a cruz de Cristo, ele está cuspindo no amor de Deus, ele está tentando ficar independente de Deus, somente a Graça e Misericórdia de Deus para perdoar e o amor permanecer em nós.


[1] Confissão de Fé de Westminster. Cap. III. 1-2.
[2] CLARK, Gordon H. What Do Presbyterians Believe?. Philadelphia: Presbyterian and Reformed Publishing CO, 1977. Pág. 37. Tradução minha: Summarizing the Scriptures, the Confession says here that God is not the author of sin; that is, God does nothing sinful.
[3] KOHLER, John A., III. As Duas Fases da Vontade de Deus. Trad. Felipe Sabino. http://www.monergismo.com/textos/atributos_deus/duas_fases_vontade_deus.htm
[4] CALVINO, João. Institutas ou Tratado da Religião Cristã. Vol. 1. Edição Clássica. Trad. Dr. Waldyr Carvalho Luz. São Paulo: Cultura Cristã, 1985. Cap. XVIII. 3.
[5] KOHLER, John A., III. As Duas Fases da Vontade de Deus. Trad. Felipe Sabino. http://www.monergismo.com/textos/atributos_deus/duas_fases_vontade_deus.htm
[6] Confissão de Fé de Westminster. Cap. III. I.
[7] CLARK, Gordon H. What Do Presbyterians Believe?. Philadelphia: Presbyterian and Reformed Publishing CO, 1977. Pág. 37-38. Tradução minha: The scripture references show clearly that God controls the wills of men. During Absalom’s rebellion against David, Hushai gave poor advice but Ahithophel gave good advice to Absalom. Absalom, however, “and all the men of Israel said, the counsel of Hushai the Archite is better than the counsel of Ahithophel. For the Lord had appointed [ordained] to defeat the good counsel of Ahithophel, to the intent that the Lord might bring evil upon Absalom” (II Sam. 17:14). It is clear then that God, in his purpose to bring evil upon Absalom, so controlled the wills of Absalom and his men that they chose Hushai’s poor advice instead of Ahithopel’s (sic) good advice. By controlling the wills of these evil men, God established the throne of David, from whom the Messiah descended.
This does not mean that violence was done to the will of the creatures. It was not as if the men wanted to adopt Ahithophel’s plan and were forced to follow Hushai against their desires. Their psychological processes issued in a desire to follow Hushai’s plan. But it must be noted that God established psychological processes just as truly as he established physical processes.